Há mais de 40 anos, o ambientalista Nereu Rios dedica sua vida em tempo integral à coleta de sementes, geração de mudas e observação das árvores que perpetuam o ciclo da natureza. No entanto, nos últimos anos, essa rotina tem enfrentado desafios, pois Rios notou que a multiplicação de algumas espécies tornou-se mais difícil.
“No Mato Grosso do Sul, há uns dez anos tenho coletado amostras de pau-ferro [Libidibia ferrea] que dá a vagem, mas não dá a semente”, relata. Nascido em Dourados (MS) e atualmente residindo em Campo Grande (MS), Nereu divide seu tempo entre o viveiro onde trabalha e as viagens pelo Cerrado, observando de perto a diversidade resultante de seu esforço. Ele também percebe mudanças preocupantes no cenário ao seu redor.
“Passando por Olhos D´Água, próximo de Alexânia (GO), eu estava mostrando para o meu filho uns ipês-roxos [Handroanthus impetiginosus] que a gente coletava há uns oito anos e que agora estão morrendo, porque virou monocultura margeando a estrada e quando pulverizam o milharal sai matando tudo”, destaca.
O pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), André Andrade, explica que a produção de sementes exige muita energia da planta, obtida por meio da fotossíntese, que por sua vez necessita de água e luz solar. Com as mudanças climáticas, esse ciclo natural é perturbado. “Com a mudança climática, quando temos períodos de estiagem muito longos combinados com anos de El Niño, como no final de 2023, há muito sol, mas falta água. A planta para a fotossíntese que precisa, senão ela morre rápido, e assim não consegue produzir a energia para gerar sementes”, explica.
A Organização das Nações Unidas (ONU) também destacou a questão ao trazer como tema para o Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, o enfrentamento à desertificação e o desenvolvimento da resiliência à seca, alinhados com a Década da Restauração de Ecossistemas. A campanha centraliza a mensagem: “Não podemos retroceder no tempo, mas podemos restaurar florestas, restabelecer os recursos hídricos e trazer o solo de volta. Nós somos a geração que pode fazer as pazes com a terra”.
De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), bilhões de hectares de terra estão degradados globalmente, causando desertificação e secas. Isso afeta metade da população mundial, especialmente comunidades rurais e pequenos agricultores, colocando em risco metade do Produto Interno Bruto (PIB) global e potencialmente gerando insegurança alimentar.
Andrade enfatiza a importância da restauração de ecossistemas como solução rápida e efetiva para equilibrar os ciclos da água e do carbono, prevenindo o agravamento das mudanças climáticas e suas consequências, como secas e chuvas extremas. “A restauração de grandes áreas é uma estratégia que podemos implementar agora, investindo pesadamente para que, em 20 ou 30 anos, possamos alcançar uma transição energética. Existe um limite para o carbono que as florestas podem armazenar, e a vegetação nativa desempenha um papel crucial nesse processo”, conclui.
Nereu Rios conhece o Cerrado desde jovem, crescendo no campo em uma família de moveleiros. Seu convívio com a terra o fez admirar mais as árvores floridas do que a madeira derrubada. Em sua “missão de vida”, como ele mesmo descreve, aprendeu que as escolhas individuais afetam o clima, a vegetação e até os insetos, que se tornam pragas em um ambiente desequilibrado.
“Sei que tem o bicho que come a seiva na vagem do pau-ferro e não deixa a semente se desenvolver, mas não é só ele o problema. O angelim-amargo [Andira anthelmia] faz uns quatro anos que eu não consigo coletar e tinha muito, assim como a guavira [Campomanesia adamantium], ano passado deu pouca. As coisas que produziam todos os anos, agora produzem ano sim, ano não, às vezes ficam dois ou três anos sem produzir”, explica.
Redação KVTV NOTÍCIAS
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